
Até hoje, não entendi meu propósito na vida... Bem verdade que tenho poucas lembranças de quando eu era pequeno, ou mesmo de minha família. Será que estão todos bem? Mas o pouco que me resta em lembrança, faço questão de preservar a todo custo. Aos tidos parentes, conhecidos como "pardais", quando cá encostam no meu recinto, tento descobrir um pouco do que acontece nesse mundão afora... Eles vêm, comem um pouco da minha comida, falam uma coisa ou outra, mas assim que vêem um Humano, logo tratam de ir...
Através dessa grade, quando olho os que livres estão, sinto uma pontada de inveja e até de ódio. Também gostaria de sê-lo. Poder ir , ir e quem sabe, vir. Quando cansado, bastaria repousar em algum parapeito razoável ou à sombra de uma árvore. Não importa. Mas... Minha realidade é outra.
De tanto ouvir o que me é imposto diariamente, acabei aprendendo essa linguagem símia e singular. Também, não poderia ser diferente... se até esses bípedes conseguem falar, como nós, seres dotados de esplendida inteligência não conseguiríamos ?
Mas igualmente a minha inteligência, reflete-se através do tempo minha tristeza. Sempre as mesmas palavras, a mesma comida, os mesmos bípedes... e o mesmo lugar claustrofóbico. Eles se enganam ao pensar que através da minha fala estou feliz... o que me resta se não interagir para ver se meu tempo passa um pouco mais rápido... Se a dor de estar preso indefinidamente cessa...
Minha inteligência não compete/compreende o porquê desse enclausuramento... Uma forma talvez desses bípedes não sentirem-se tão sós? Uma forma de exteriorização dissimulada onde ser o possuidor do objeto é algo de grande valia?
Qual o sentido em me possuir? Que culpa tenho eu que você, bípede, não é livre por completo?
Troque de lugar comigo ao menos por um dia, e verá como a sensação da inocência cerceada é algo que não tem valor... para ser jogada fora assim, diariamente, por simples capricho ou vaidade!
Guttwein, T.
